O pensamento positivo nos anima a prosseguir quando tudo parece nebuloso. É um sinal de saúde mental, afirmam estudiosos, e uma forte aliada no tratamento de doenças, como a depressão. Para os pessimistas, uma boa notícia: ele pode ser aprendido.
O significado de esperança assume formas diferentes para cada pessoa. Há os que se agarram a ela em todas as situações da vida. Os que lembram da sua existência apenas quando a vida impõe provações. E os pessimistas que preferem ignorá-la por completo e assumir que a vida é dura e pronto. Com a chegada no novo ano, no entanto, fica difícil desapegar-se dela. É tempo de olhar para o futuro, renovar pedidos, fazer votos, agarrar-se a superstições. E que 2015 seja melhor.
Parece conversa de autoajuda, mas não é assim que a ciência olha para o assunto. Charles Richard Snyder, um dos expoentes da psicologia positiva (movimento da psicologia que estuda a busca pela felicidade), definiu esperança em seus estudos como a “habilidade de gerar caminhos ou rotas para seus objetivos, acreditando que se pode usá-los para chegar até eles”. Anos depois, seguidores do seu trabalho acreditam que nutri-la pode não apenas levar a uma vida mais leve, mas ajudar no tratamento de doenças, como a depressão.
“Ter esperança é um sinal de saúde mental”, acredita a psicóloga Lilian Graziano, diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento. “A depressão seria a total ausência de esperança, quando a pessoa não vê mais luz no fim do túnel”, continua. Em 2008, a psicóloga Jennifer Cheavens, da Ohio State University, nos Estados Unidos, mediu os níveis de esperança de um grupo de pessoas com base em um questionário de 12 perguntas desenvolvido por Snyder. Na ocasião, constatou-se que os “esperançosos” apresentavam menos sintomas de depressão. “Ter esperança pode aliviar ou prevenir a depressão ao ajudar a construir um mapa mental para que o paciente consiga o que deseja na vida”, explica Cheavens.
A boa notícia para os pessimistas é que esperança pode ser aprendida, graças à capacidade do cérebro de continuamente criar novas conexões cerebrais — a neuroplasticidade. Mas é preciso treino. E, segundo alguns psicólogos, treinar passa por recorrer aos amigos, acreditar que o mundo pode ser um lugar bom e inofensivo, vislumbrar um futuro e ter fé — em Deus, em um ser maior, no governo ou no que quer que seja. Em tempos de tragédias, epidemias mundiais e guerras territoriais, parece difícil. Mas o ano que chega traz novo fôlego para recomeçar. “Ainda vai chegar um dia em que as pessoas vão cuidar tanto das suas emoções quanto cuidam de seus corpos”, torce Lilian Graziano. Não custa tentar.
Aprendizado ao alcance de todos
A esperança está longe de constar entre os temas e sentimentos mais estudados pela ciência, mas vem ganhando espaço com os estudiosos da psicologia positiva, movimento que estuda as emoções positivas e a busca do homem pela felicidade. Os poucos estudos concluídos até agora mostraram que a esperança pode ajudar a combater e a prevenir doenças mentais e a dar força em tratamentos difíceis, como o da aids e o do câncer.
Acredita-se que, como todos os outros traços da personalidade humana, a esperança — ou a falta dela — possa ter fundo genético ao mesmo tempo em que é moldada por fatores ambientais ao longo da vida. “Se uma pessoa cresceu em uma família de pensamentos negativos e pessimistas, provavelmente será um adulto com tendência ao mesmo comportamento”, explica a psicóloga Lilian Graziano, do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento. Não quer dizer que isso não possa ser corrigido. Com a descoberta de que o cérebro é capaz de se modificar e criar novas conexões por quase toda a vida, cientistas descobriram também que novas emoções e sentimentos podem ser “treinados”.
“Antes, acreditava-se que a neurogênese (formação de novos neurônios) acontecia apenas nas crianças. Hoje, sabe-se que ela acontece até os 65 anos. Isso quer dizer que, com treino, você pode aprender qualquer sentimento positivo, inclusive a esperança. Quando mais se usa uma rede neural — de pensamentos otimistas, por exemplo —, mais ela se fortalece”, esclarece a psicóloga.
O psicólogo Anthony Scioli, da Keene State College, ligada à Universidade de New Hampshire, divide a esperança em dois tipos: a fundamental, baseada no caráter e na formação do indivíduo, e a que ele chama de “esperanças últimas”, relacionadas a objetivos específicos, como uma cura ou uma promoção no trabalho. A primeira é a mais importante. “Ela é derivada, principalmente, da conexão com os primeiros cuidadores da pessoa. Cuidadores esperançosos tendem a transmitir calma e resiliência, assim como valores religiosos. Em outras palavras, os componentes básicos da esperança são ligações afetivas (confiança e abertura), maestria (objetivos de longo prazo), recursos de enfrentamento de riscos e uma dimensão espiritualizada da vida. Qualquer coisa que impacte esses quatro aspectos molda a formação da esperança”, ele diz.
Segundo Scioli, até a puberdade, é possível que essa noção de esperança fundamental já esteja estável, mas é possível mudá-la, estimulando alguns aspectos ou em terapia. “Fora da terapia formal, será preciso doses repetidas de exposição a pessoas que inspiram confiança, empoderamento, treinamento em resolução de problemas e alguma conexão espiritual para que essa esperança seja reconstruída”, disse o pesquisador norte-americano à Revista.
Em 2006, Anthony Scioli mediu os níveis de esperança em 16 pacientes HIV positivos, na faixa etária de 35 a 61 anos, segundo o que ele chama de “teoria integrativa da esperança”, algo que soma visões de esperança de vários campos, como a teologia, a filosofia, a psicologia e a sociologia. Quatro anos depois, ele e sua equipe refizeram a medida, colhendo, dessa vez, amostras de sangue para medir os níveis de CD4 (linfócitos que, em contagem baixa, indicam avanço da doença). Aqueles considerados os mais esperançosos em 2006 mantiveram seu sistema imunológico mais forte ao longo desses quatro anos. Em 2010, os pacientes com maior esperança durante o estudo tinham sua contagem de CD4 no sangue 40% superior à dos demais.
“Mesmo os pacientes mais esperançosos ainda estavam HIV positivos quatro anos depois e, sem medicação e cuidados adequados, sucumbiriam à doença”, pontuou Scioli no estudo, publicado em 2011. “No entanto, em diferentes tipos de doença, e em todos os seus níveis de severidade, observamos diferenças individuais. Nossos resultados suportam a antiga crença de que essa variação na adaptação humana à doença pode se dever à esperança.”
Escudo contra a depressão
Para além dos males físicos, os níveis de esperança também parecem estar associados à proteção contra disfunções emocionais, como a depressão. Essa é a conclusão de dois estudos liderados pela psicóloga Jennifer Cheavens, da Ohio State University. Em um deles, ela examinou 97 adultos, a maioria com mais de 60 anos, que haviam recebido o diagnóstico de degeneração macular ou outras condições que levassem à cegueira.
Ela e sua equipe mediram os níveis de esperança e depressão tanto nos pacientes quanto em seus cuidadores. Elas perceberam que, como o esperado, quanto maiores os sintomas de depressão nos pacientes, mais deprimidos eram seus cuidadores. No entanto, os cuidadores que tiveram maior pontuação para esperança mostraram menos sintomas de depressão, mesmo se os pacientes dos quais cuidavam fossem deprimidos. Eles também mostraram estar mais satisfeitos com a vida e com menos sentimentos de peso ou fardo. O que mostra que ter esperança pode servir como uma proteção contra a doença.
No segundo estudo, Cheavens e sua equipe testaram uma terapia baseada na esperança com um grupo de 32 pessoas atraídas por um anúncio de jornal que pedia por voluntários dispostos a atender reuniões semanais. O objetivo dos encontros era incrementar a capacidade dos participantes de atingir seus objetivos. Os voluntários não tinham diagnóstico de depressão ou outra doença mental, mas se sentiam insatisfeitos com a vida.
A terapia não focava no que estava errado na vida deles, mas na construção de habilidades que os ajudassem a se realizar. Os participantes selecionados para comparecerem às sessões aprenderam coisas como identificar objetivos, formas de alcançá-los e técnicas de motivação. Ao fim, eles tiveram melhoras nos sintomas de depressão, quando comparados ao grupo de controle que não participou do experimento.
“Eu não acho que, no ponto em que estamos, podemos dizer que encorajar uma pessoa a ter pensamentos esperançosos substituiria um bom tratamento para a depressão. No entanto, eu acho que boas psicoterapias podem resultar em um aumento desse tipo de pensamento — é um efeito colateral feliz”, diz Jennifer Cheavens. Quanto às doenças físicas, a pesquisadora também acha que ter esperança pode beneficiar, ainda que indiretamente, o tratamento. “Acho que estar esperançoso pode ajudar com o estresse associado à doença e ainda reduzir o sofrimento associado às mudanças físicas. Também acredito que pensar com esperança ajuda a manter em mente a vida que se quer viver e a se movimentar em direção a ela enquanto se luta contra uma doença”, conclui.
Fonte: UAI
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